“Enquanto houver racismo, não haverá democracia”.
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O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, convida toda a sociedade brasileira a refletir sobre a trajetória histórica do povo negro, marcada por lutas, resistências e conquistas. Mesmo em pleno século XXI, o combate ao racismo ainda é urgente e necessário. A memória dos acontecimentos do passado serve como alerta e compromisso: não podemos permitir que as injustiças se repitam.
Como cristãos, somos chamados a promover o respeito, a acolhida e a conscientização, posicionando-nos firmemente contra toda forma de discriminação racial. A valorização da dignidade humana é parte essencial da fé e da convivência comunitária.
Dentro desse contexto, reunimos o depoimento de Mirla Pinheiro, do Comitê Jovem do Centro de Juventudes de Cruzeiro do Sul (AC), que compartilha sua vivência enquanto mulher negra, nortista e jovem – uma experiência que revela desafios, mas também força, resiliência e esperança.

“Ser mulher no mundo machista em que vivemos já é difícil. Ser uma mulher negra duplica essas dificuldades. Ser uma mulher negra e nortista, então, intensifica ainda mais os desafios. Meu nome é Mirla Pinheiro, tenho 19 anos, e essa realidade é a que me moldou e me tornou uma mulher forte.
Existe uma frase da qual gosto muito, do autor Zygmunt Bauman, que diz: ‘Não são as crises que mudam o mundo, e sim nossa reação a elas’. Todos os dias, enfrento leões diferentes. Já passei – e ainda passo – por situações desconfortáveis apenas pela cor da minha pele.
Quando era criança, fui comparada com animais de forma pejorativa. E, mesmo sem ouvir palavras diretas, sentia nas atitudes o quanto não era vista como pertencente. Em eventos escolares ou atividades em que uma aluna era escolhida para representar a turma, eu nunca era lembrada. As meninas brancas e dentro do ‘padrão’ estavam sempre à frente. Isso foi me fazendo acreditar, aos poucos, que aquele não era o meu lugar.
Além disso, já fui tratada com frieza e desprezo em lojas, como se a minha presença incomodasse. Essas pequenas violências, que muitos consideram ‘detalhes’, nos marcam profundamente. Mas cabe a mim decidir o que fazer com isso: me calar ou transformar em força?
Escolhi usar tudo isso a meu favor: para crescer, me validar, me reconhecer. Já fui excluída, julgada, desvalorizada – tudo por não me encaixar em um padrão. Mas que padrão é esse? Quem o define, senão as próprias pessoas? E assim como elas, eu também fiz minha escolha.
A Região Amazônica sofre uma xenofobia silenciosa, mas constante. Somos uma terra rica, de valor imenso, mas constantemente invisibilizada. Isso reflete diretamente em nós, nortistas. As portas que se fecham para meninas como eu são muitas: oportunidades de emprego, acesso à educação de qualidade, visibilidade cultural, espaços de fala, participação política. É como se o que vem do Norte não tivesse o mesmo valor.
Por isso, precisamos aprender desde cedo a nos impor: ninguém vai abrir as portas por nós. Somos nós que temos que derrubá-las com coragem.
Eu tive sorte. Ainda criança, encontrei um espaço que me deu oportunidade: a Igreja Católica. Em meio à minha timidez, me deram um microfone nas mãos e uma missão: ler a palavra de Deus. Mais tarde, fui ministra da palavra por um período. Estar lá na frente, falando para as pessoas e percebendo que todas me escutavam em silêncio… aquilo me transformou. Aquela atenção, aquela escuta, me fizeram crescer. Me mostraram que eu tinha algo a dizer – que eu podia ensinar, inspirar, liderar.
Hoje, mesmo não tendo um cargo fixo, continuo servindo quando posso: faço leituras nas celebrações, ajudo a coordenar atividades da juventude e participo da organização de momentos comunitários. Esses serviços mantêm viva em mim a missão de contribuir com o bem, com a fé e com o crescimento de outros jovens como eu.
A nossa maior dificuldade, enquanto mulheres negras nortistas, é entender que sim, vamos sofrer discriminação. Seja ao tentar um emprego, seja ao buscar espaços de reconhecimento ou até mesmo ao simplesmente ocupar lugares públicos onde não esperam nos ver. Vão tentar nos diminuir, nos acusar, nos silenciar. Mas tudo isso que nos fazem não diz nada sobre quem somos: diz apenas sobre quem eles são.”
O relato de Mirla reforça a urgência de continuarmos atentos às desigualdades raciais, que ainda estruturam a sociedade brasileira. Sua história evidencia que o racismo não se manifesta apenas em grandes episódios de violência, mas também em gestos sutis, em exclusões silenciosas e em oportunidades negadas.
Ao compartilhar sua trajetória, Mirla dá voz a milhares de mulheres negras nortistas que enfrentam diariamente desafios semelhantes – e que, como ela, continuam resistindo com coragem, fé e determinação. Que seu testemunho inspire a construção de espaços mais inclusivos, igualitários e humanos.
No Dia da Consciência Negra, reafirmamos nosso compromisso com a justiça social e a promoção de uma sociedade onde todas as pessoas possam viver com dignidade e respeito. A luta contra o racismo é permanente. Começa em cada atitude, escolha e postura que adotamos.


